sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Utilizando o abdômen para aliviar as costas no Uttanasana

Músculos abdominais contraídos para produzir a inibição recíproca do eretor da espinha.


Eu costumava me referir ao escritor Emily Dickenson  lhe atribuindo a frase “Veja o mundo num grão de areia...”, quando um amigo me explicou que, na realidade, isto foi dito pelo surfista William Blake.

De qualquer forma, o significado é que muitas das coisas que aprendemos em uma postura podem ser aplicadas em outras. Músculos similares trabalham na Paschimottanasana da mesma forma como na Uttanasana (com variações).  O princípio fisiológico da inibição recíproca entre músculos agonista (abdômen) e antagonista (eretor da espinha), em que no Uttanasana o abdômen se encurta enquanto as costas se alongam, também é aplicado em outros músculos do nosso esqueleto. Eu pessoalmente acredito que encarando as coisas dessa forma é mais fácil de lidar com assuntos um tanto assustadores como é o caso da anatomia.

Por exemplo, vamos observar a utilização do abdômen no Uttanasana. O abdomen é formado por quatro músculos. Analisando os músculos desde a superfície até as partes mais profundas do corpo encontramos primeiramente o músculo reto abdominal e os músculos oblíquos externos em cada lado. Mais internamente encontramos os oblíquos internos, sendo a camada mais profunda o abdômen transverso. Contraindo estes músculos o tronco flexiona para frente e aumenta a pressão intra-abdominal (espremendo os órgãos abdominais). Dobrar o tronco para frente faz o eretor da espinha alongar a cadeia cinética posterior. O eretor da espinha compõe-se de três colunas de músculos que acompanham a coluna em toda a sua extensão. Do medial até o lateral, eles são os espinhais, iliocostal e longuíssimo.

O eretor da espinha e os músculos do abdômen pertencem do grupo dos agonista e antagonista, sendo que quando um contrai o outro alonga. Como explicado sobre o quádriceps e as coxas (isquiotibiais) na primeira publicação, o sistema nervoso sinaliza para o músculo antagonista para que ele relaxe quando o agonista contrai. Esta fisiologia “Ying/Yang” é chamada de inibição recíproca.

Ativando o abdômen desta forma temos três feitos. O biomecânico de flexionar o tronco, o de aprofundamento da postura e o efeito fisiológico de evitar que os músculos das costas de contraiam, os relaxando no alongamento.

Olhe a imagem acima. Ela ilustra um sinal de estimulação sendo enviado para o abdômen, causando a sua ativação, e um sinal de inibição para o eretor da espinha, auxiliando o seu relaxamento. Quando você conscientemente ativa o abdômen, a inibição recíproca acontece automaticamente (inconscientemente).

Gentilmente contraia o abdômen  nas posturas de dobra frontal como no Uttanasana e sinta o efeito. Uma dica para realizar essa postura é projetar o umbigo em direção à espinha lombar (para dentro). Sinta como essa ação adiciona suporte à parte inferior das costas. Combine estas ações firmando as coxas para relaxar os isquiotibiais (parte posterior da perna) como descrito em nossa primeira publicação.

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Namastê,

Traço Editora & Bandha Yoga

Se você implora pela libertação...



Nesta publicação falaremos sobre um dos versos de Vivekachudamani que fala sobre o que uma pessoa deve “fazer” e “não fazer” se procura a libertação. Muito mais que um texto com teorias, ele convida  você a refletir sobre o que é realmente a libertação independentemente da religião. O primeiro verso dita o tom e faz voltar diversamente a ele. E começa assim: Se você deseja libertação... Então faça o seguinte. Se você não quiser a libertação, bem...

O verso segue na integra em sânscrito:

मोक्षस्य कान्क्षा यदि वै तवास्ति
त्यजात्तिदूराद्विषयान्विषं यथा
पीयूषवत्तोषदयाक्षमार्जव-
प्रशान्तिदान्तीर्भज नित्यमादरात् ॥

mokShasya kaankShaa yadi vai tavaasti
tyajaattidUraadviShayaanviShaM yathaa
pIyUShavattoShadayaakShamArjava-
prashaanthidaantIrbhaja nityamaadaraat ||

Sânscrito com a tradução das palavras:

मोक्षस्य Da libertação कान्क्षा desejo यदि Se वै realmente तव sua अस्ति existir/é
त्यज abandone अत्तिदूरात् de uma distância de deus विषयान् objetos dos sentidos विषं veneno यथा como पीयूषवत् como o néctar तोष contentamento दया compaixão क्षमा perdão आर्जवं transparência प्रशान्तिः extrema calma/serenidade दान्तिः controle próprio भज cultivando नित्यम् diariamente आदरात् religiosamente.

Interpretação:

Se você realmente tem um desejo pela libertação, desista de objetos dos sentidos em uma grande distância como se eles fossem veneno; e com reverência & seriedade, diariamente cultivando o néctar das virtudes do contentamento, compaixão, perdão, transparência, calma e autocontrole.

Este conselho é passado para uma pessoa que tem desejo pela libertação. Por isso o Guru qualifica o verso com a palavra “Se.” Existem pessoas neste mundo que não querem a libertação. Eles sentem: “Eu estou feliz com meu emprego, riqueza, saúde  esposo, filhos, poder, nome, fama etc.” Para todos nos que sentimos assim, nos esquecemos de que estas coisas são efêmeras e um dia nos deixara. – Sem exceção  causando inimaginável dor. Por isto mesmo que o pensamento “Tudo nesta vida é impermanente  Porque eu sou tão apegado a elas?” é uma grande melhora e é a unica graça do ser supremo em seu entendimento.

Em outro verso de Vivekachudamani, o Acharya fala.


Sânscrito:
दुर्लभं त्रयमेवैतद्देवनुग्रहहेतुकम्
मनुष्यत्वं मुमुक्षुत्वं महापुरुषसंश्रय

durlabhaM trayamevaitaddevanugrahahetukam
manuShyatvaM mumukShutvaM mahaapuruShasaMshrayaH



A primeira linha fala: Muito raro e difícil realmente são essas três e pode somente acontecer pelo fato da graça do ser supremo. A segunda linha fala sobre essas três coisas:

manuShyatvaM – nascimento como humano
mumukShutvaM – desejo intenso pela libertação
mahaapuruShasaMshrayaH - refúgio de um Guru

Continuando com o primeiro verso.

O que são ‘Não Fazer’: Objetos dos sentidos.

Abandone todos os objetos dos sentidos. Como poderei desistir?  Como se eles fossem veneno. Nós não provaremos uma gota se quer desse veneno mesmo sendo doce e saboroso. Nós não deixaremos chance nenhuma disso acontecer. Da mesma maneira, objetos dos sentidos devem ser abandonados simplesmente assim – abandone ate o menor dos interesses neles.

O que são ‘Fazeres’: Cultivar as qualidades seguintes: 

tosha (santosha) – Contentamento - Uma mente contente é leve e livre. Esta livre para realizações maiores. Uma mente que não é contente está com desejos escondidos que faz ela indisponível para contemplações e devoção.
daya – Compaixão por todos
kShamaa – Perdão – Aumentando ahimsa e deixando a mente mais leve
Aarjavam - Transparência em afazeres diários, com sigo mesmo e outros
Prashantih - Serenidade
daantih – Autocontrole.

Como essas qualidades devem ser cultivadas?

Aadaraat – religiosamente, sinceramente, seriamente.

Quando?

nityam – sempre, diariamente! 

O verso segue assim...


aasupteh aamrriteh kaalam nayet vedaanta chintayaa
avakaasho na daatavyah kaamaadeenaamanaagapi

Interpretação:

O verso significa saciar em contemplação Vedanta. De Quando? Do momento que você acorda. Até Quando? Até o momento que você vai dormir  Quanto tempo eu devo fazer isto? Até a morte! E sem distração dos desejos e outras coisas!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Princípios do Yoga – Introdução do Yamas & Niyamas



Yoga é um sistema sofisticado que vai muito além das posturas. Literalmente pode ser considerado um estilo de vida criado para trazer consciência ao corpo e igualmente ao pensamento. Os seus ensinamentos são em forma de uma metodologia em que passo-a-passo se revela o entendimento de nossas experiências na terra, direcionando-nos também para novas experiências. Yoga pode ser comparado com um detalhado mapa, dizendo onde nos encontramos e como chegar até a próxima descoberta. O método facilita obter o  controle da vida, assim como nos ajuda a direcioná-la até satisfação que nós procuramos.

O método completo consiste em 8 partes que são Yama, Niyama, Asana, Pranayama, Pratyahara, Dharana, Dhyana, Samadhi. Nesta publicação falaremos sobre a visão geral dos Yamas e Niyamas que são a base do pensamento yogui .

O Yama e Niyamas são ensinados como diretrizes, dogmas, disciplina, ética, preceitos ou restrições e observâncias. Eu muitas vezes penso nelas como relíquias, por serem raridades que nos dão direção para uma vida bela e alegre. Na filosofia yogui, essas relíquia são as primeiras das 8 partes do caminho da liberdade.

As primeiras relíquias são os Yamas, uma palavra que literalmente significa “restrições”que incluem em seu conceito não violentar (ahimsa), veracidade (satya), não roubar (asteya), não exceder (brahmacharya) e não-possesividade (aparigraha). As outras cinco relíquias são as Niyamas, ou “observâncias” e incluem pureza (saucha), contentamento (santosha), disciplina (tapas), estudo(svadhayava) e rendição (ishvara pranidhana). Muitas destas referências de conduta ética talvez nos façam sentir sobrecarregados de conceitos, ou fechados em um sela de regras . Yoga não nos limita de viver a vida, mas pelo contrário, ela nós abre para uma vida completa e navegando de uma para outra de forma prática e fácil de se compreender.

Yamas

Não violência (ahimsa), a primeira relíquia, posiciona-se como a fundamento para as outras diretrizes que irão aumentar o significado e renovar sua riqueza. Não-violência é uma postura de relacionamento correto com os outros e com nós mesmos que não é auto-sacrifício ou auto-engrandecimento.  Este princípio nos guia para juntos vivermos, dividir os bens e fazer o que queremos – sem causar dor aos outros ou a nós mesmos.

Veracidade (Satya), a segunda relíquia, é parceira da não-violência. O casamento destas cria uma poderosa dança entre as duas parecendo opostas. Nós podemos apreciar essa afirmação quando começamos a praticar dizendo a verdade sem prejudicar os outros. Como parceiros, a veracidade mantém a não-violência de se tornar covarde, enquanto não-violência mantém a veracidade de se tornar uma arma brutal. Quando dançam perfeitamente juntas cria-se uma espetacular visão. Sua união se revela como profundo amor em sua expressão mais completa. E quando há desarmonia ou confusão entre as duas, veracidade deixa espaço para a não-violência.

Não roubar (Asteya), a terceira relíquia, guia as nossas tentativas e tendências de olhar para o exterior para buscar satisfação. Muitas vezes, nossas insatisfações na vida nos lidera a um olhar fixo no mundo exterior, com a tendência de roubar o que não nós pertence. Nós roubamos da terra, do outros e até de nós mesmos. Nós roubamos da nossa própria oportunidade de crescer e nos tornar pessoas que têm o direito de ter a vida que realmente queremos.

Não exceder (Brahmacharya), a quarta relíquia, tem sido interpretada por muitos com o significado de celibato ou abstinência. Mesmo podendo ser interpretado com esse sentido, o seu significado literal é “andar com Deus”. Não importa a sua crença sobre Divindade, este princípio implica consciência sagrada em todas as ações e atenção em cada momento que nos move para uma postura de santidade. Se nós praticarmos não roubar, nós estaremos automaticamente preparado para a prática desta diretriz.

Não possesividade (Aparigraha), a quinta relíquia e última das diretrizes das Yamas , nos liberta da cobiça. Ela nos lembra que se agarrar a pessoas e objetos materiais somente nos coloca para baixo e torna nossas vidas pesadas e com experiências decepcionantes. Quando praticamos o desapego, movemos nossas vidas e experiências em direção à liberdade e satisfação na vida, o que é expansivo e puro.
Se nós vivermos as 5 primeiras relíquia de uma forma correta, nós começaremos a notar o tempo livre e um maior espaço para respirarmos em nossas vidas. Os dias começam a ser mais leves e fáceis de lidar, o trabalho mais prazeroso e nossos relacionamentos com os outros mais tranquilos. Nós gostamos de nós mesmos um pouco mais; os passos se tornam mais macios ao caminhar, compreendemos a necessidade de possuirmos menos comparado a tempos anteriores, os momentos de diversão são mais frequentes.

Niyamas

Agora começando os estudos básicos das cinco relíquia finais ou Niyama. Aqui nós entramos no mais sublime reino e lugar de descanso interior, como um domingo de descanso.

Pureza (Saucha), a sexta relíquia, é um convite a limpar nossos corpos, atitudes e ações. Nos pede para limpar nossas ações para que possamos estar mais disponíveis para as reais qualidades da vida que procuramos. Este preceito também nos convida a purificarmos como nos relacionamos com o que é mais supremo no momento. É também a qualidade de estar alinhado em nossos relacionamentos com os outros, com as atividades a nossa volta e com nos mesmos.
Contentamento (Santosha), a sétima relíquia, não pode ser vista, todas as coisas que nos trazem realização interferem na nossa própria satisfação e bem estar. Contentamento só será sentido ao aceitar e apreciar o presente. Quanto mais nós aprendermos a deixar o “O que é” sozinho, mais calmamente e firmemente o contentamento nós encontrará.
Disciplina (Tapas), a oitava relíquia, literalmente traduzida como purificação ou austeridade. É tudo que nos bloqueia a mudar. Mudança nos torna peso pesados espiritualmente no jogo da vida. É a preparação para nossa própria grandeza. Nós todos sabemos como é fácil ser uma pessoa de grande caráter quando tudo está correndo bem em nossas vidas, mas como nos mostramos quando a vida joga conosco com cartas escuras? Quem é você nesses momentos? Esta diretriz é um convite para a procura intencional de nosso caráter e ela nos pergunta “Eu confio no caminho para minhas mudanças?”.
Estudo (Svadhayava), a nona relíquia, é a busca pelo auto-conhecimento, estudar o que nos direciona e forma, porque estas coisas são literalmente a causa da vida que vivemos. Estudar nos põe a olhar para as histórias que nós contamos sobre nós mesmos e perceber que essas histórias criam realidade em nossas vidas. Enfim, este princípio nos convida a livrar e limitar a percepção que nosso ego impõe e conhecer a verdade sobre o nosso próprio ser divino.
Rendição (ishvara pranidhana), a décima relíquia, nos relembra que a vida sabe o que é melhor para nós. Através de devoção, confiança e compromisso ativo, nós podemos receber cada momento com o coração aberto. Ao invés de remar contra a correnteza, rendição é um convite para ir com a corrente, desfrutar do caminho e olhar a paisagem.
Na próximas publicações iremos mais a fundo em cada uma das relíquias.

Namastê